Uma das coisas que mais gosto em mim é a minha visão direcionada para padrões. É como se de tudo que eu conhecesse, meu cérebro traçasse um perfil meticuloso. Tenho pilhas de arquivos mentais em que vou agrupando padrões semelhantes. Esse é meu hiperfoco. Me sinto até meio uma “cientista do mal”, pois quando eu encontro uma situação ou pessoa intrigantes, os trato mentalmente como um espécime em estudo. Me desligo totalmente do mundo e foco em desvendar aquele mistério, camada por camada, até que nada ali seja dúvida. Pessoas, comportamentos, situações... a minha mente não encontra paz até que estejam todos dissecados.
Talvez por isso as pessoas fiquem tão chocadas quando descobrem que eu sou autista. Quando se conhece o comportamento emulado a fundo, todas as nuances, porquês e afins, se torna bem mais fácil reproduzir de forma espontânea.
Aprendi muita coisa com a televisão. Dissecando personagens.
Todas as histórias boas têm o mesmo princípio: a jornada do herói. Um personagem principal que sofre e não acredita em si mesmo. Ele só tem um melhor amigo, ou um pequeno grupo de amigos. Um dia, algo acontece que o obriga a fazer algo além do que acreditava ser capaz. E ele vai descobrindo suas novas capacidades até o ápice da história quando vence uma grande adversidade. Sempre ao lado daquele amigo ou grupo do início.
O herói, claramente, não precisa daquele amigo. Ele acabaria por conseguir cumprir a missão sozinho, daí o título de papel secundário. Ele interage, mas não concorre diretamente pro desenrolar dos fatos. Então por que aquele personagem está ali? Porque ele faz o herói lembrar porque está lutando, o que ele tenta salvar, a humanidade dentro de nós, o amor, a compaixão, a amizade, o companheirismo.
Para haver o diagnóstico de transtorno do espectro autista, reza o DSM, que é necessário um prejuízo nas interações sociais, um déficit no desenvolvimento e manutenção de relacionamentos. Claro que estamos em espectro e alguns conseguem ter alguns relacionamentos. Mas mesmo os bem sucedidos nesse campo, colecionam muitas decepções. Por algum tempo, evitei as decepções sendo a pessoa que decepciona de propósito. Eu era quem sumia, não dando chance para que as pessoas me abandonassem. Mas nenhuma tática nos livra dos sentimentos de não pertencimento, de não conexão. Hoje eu não consigo mais acreditar que alguém irá permanecer, é como que uma certeza que uma hora ela vai sumir, eu farei algo, ou deixarei de fazer algo. Sim, vamos cumprir nossa jornada, mas que bom seria se todo Dom Quixote tivesse seu fiel escudeiro Sancho Pança ao lado!
“Dobro a aposta” : não vou sumir. 🤍