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Foto do escritorKamilla Brandao

Quem é Page Hardaway?

 

Eu fiz terapia e fui a médicos a vida toda. Quando eu nasci, não quis chorar. O pediatra me olhou e disse que estava tudo bem comigo e me colocou sobre o peito da minha mãe para que ela me olhasse. Ela disse que eu estava com os olhos abertos, olhando para ela, mas era como se eu não a visse.  A única coisa que ela pode perguntar ao pediatra foi se eu era cega. Me levaram de novo.

Mais tarde, no quarto, quando eu cheguei, minha mãe estranhou minha passividade. Eu não chorava, não reclamava, as mãos sem força e em formato de concha. Ela questionava os médicos que diziam que eu estava ótima, ela estava notando diferença porque o outro filho dela era homem e homens são mais agitados e o outro parto dela foi normal e eu cesárea, e os bebês nascidos de cesariana demoram mais tempo para ficarem espertinhos.

Fui crescendo e a passividade continuou, as mãos ganharam força e o hábito de ficar com as mãos de “coelhinho” foi diminuindo. Ela reclamava que eu só dormia, os passeios para tomar sol eram dados comigo em sono profundo. Mesmo que um carro passasse do lado buzinando com tudo eu não acordava e não chorava. Uma vez, ela exausta, pois, meu irmão estava doente, dormiu a noite toda, acordou de manhã assustada, correu pro meu berço e eu estava acordada, com expressão facial serena, e olhando pro teto branco.

Fui a vários pediatras, oftalmologistas, otorrinos e nada. Todos garantiam que eu não tinha nada. Um deles chegou a dizer que procurar defeitos onde não existiam era uma característica de depressão pós-parto e que se mamãe não parasse de procurar defeitos em mim, recomendaria uma internação psiquiátrica, pois ela podia ser um risco aos filhos.

O tempo foi passando, aprendi a falar e andar no tempo certo. A ler com 2 anos e 8 meses. Ah mãe, ela é "estranhinha" porque ela é superdotada!

Por outro lado, meu irmão, “dava trabalho”! Todos os dias ela tinha que ir à escola, porque ele brigava com os colegas, não deixava os professores darem aula, tinha dificuldades bem expressivas de aprendizado, se alfabetizou tardiamente. Fugia de casa com os amigos de bicicleta e sumia por horas. Enquanto eu era “boazinha”, tirava boas notas, ficava por horas atrás do sofá em silêncio, lendo ou escrevendo. A atenção foi cada vez mais se voltando a ele, e não a culpo por isso. Ela fez o que podia fazer por nós e eu tenho muito orgulho e gratidão por isso.

A questão é que os meninos são mais diagnosticados e as meninas mais repreendidas. Somos educadas para entender, para cuidar, para se adaptar. É para a mãe que olham de cara feia quando uma criança faz birra, quando a casa está bagunçada, e, dizem que o marido a traiu porque ela deixou de se cuidar e ficou feia. Todas as mulheres são inviabilizadas como pessoas e é claro que isso também impacta nos diagnósticos de autismo. Somos direcionadas ao mascaramento, mesmo as neurotípicas, porque temos uma missão maior do que nós mesmas, [coloque aqui qualquer missão que tenham te dito que era sua missão de vida...]

E o que Page Hardaway tem a ver com a minha história? Page é a personagem namorada de Sam, na série Atypical. Uma menina doce, mas que não tem amigos. Toda vez que ela entra nos projetos dela, acaba sendo zombada por todos. Ela largou a faculdade dos sonhos porque foi duramente humilhada e excluída. Apesar de ser uma aluna brilhante, trabalha vestida de batata, em um restaurante temático infantil. A série deixa claro que ela não tem apoio nem da própria família. Sua personalidade é extravagante, usa roupas tidas como bregas. Sua comunicação é inadequada, ela fala demais e em um tom de voz muito alto e vive cometendo deslizes porque falou o que não deveria. O círculo social dela se resume ao círculo social do Sam. Ela muda muito de interesses, diferente do Sam, mas enquanto ela tem um interesse, ela fica obcecada por ele.

Sam tem grupos de apoio, adaptação na faculdade, a paciência das pessoas ao saberem da sua condição e termina a quarta temporada indo para a Antártida (Uau!). Page tem julgamentos e as pessoas lembrando a ela a todo momento de como ela tinha um futuro brilhante e se autossabotou. Termina a temporada levando um fora do Sam e nem ao menos foi nomeada a curadora da tartaruga dele, Edson.

Quantas de nós estamos por aí, apenas sobrevivendo?

2 comentários

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Erica Matos
Erica Matos
May 01

Assisti somente a primeira temporada de Atypical e claramente a Page é autista pra mim.

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Kamilla Brandao
Kamilla Brandao
Jul 28
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Também acho!

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