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Foto do escritorKamilla Brandao

Qual a diferença entre cansaço e apatia?

Muitos já devem ter vistos vários posts por aí falando sobre o burnout autista. O burnout, para quem não conhece, é um termo que nasceu das relações de trabalho e define um trabalhador que precisa fazer muito, o tempo inteiro, e fica completamente exausto, física e mentalmente. O burnout autista, por analogia, seria o conjunto de sintomas de quem não consegue desacelerar por estar sobrecarregado demais, causando exaustão. É bem plausível associar nossa ansiedade e cansaço constante à sobrecarga sensorial a que somos expostos a todo tempo e batizar de burnout autista. Porém, gostaria de falar um pouco sobre um outro termo semelhante antes de decidirmos se é isso mesmo.

Existe uma série americana, que passava na TV aberta aqui no Brasil, que chama Todo mundo odeia o Chris. Conta a história da infância do humorista Chris Rock nos anos 70. Sua mãe, muito obstinada em lhe dar uma boa educação, o obrigava a frequentar uma escola longe, onde ele era o único garoto negro. Em um desses episódios, um orientador aplicou testes vocacionais com os alunos. O Greg, garoto branco, nerd, que gostava de ciências e melhor amigo do Chris teve como resultado que ele daria certo em qualquer coisa que ele quisesse fazer.

Ele diz ao Chris: “O cara me disse que eu posso fazer o que eu quiser. É muita pressão! Quer dizer, mesmo se eu quiser fracassar, eu não consigo!”.

Ter altas habilidades tem esse sentimento. Conforme fui crescendo, minha família foi ficando cada vez pior de dinheiro. Sempre que alguma despesa precisava ser cortada, era de mim. Como na vez que tive que sair da escola particular para minha mãe pagar a faculdade particular do meu irmão. E como eu estudava em um colégio comunitário com bolsa, enquanto ele estudava em um dos colégios mais caros da cidade. A desculpa era de que eu daria certo de qualquer jeito, porque eu era muito inteligente, tudo que eu precisava era aprender a socializar um pouco, mas ele, que tinha dificuldade de aprendizado, precisava de mais apoio e supervisão.

Vejo discursos parecidos com a minha história em vários autistas adultos de diagnóstico tardio com altas habilidades. Crescemos como crianças prodígio que estavam predestinadas a ter sucesso infinito. Hoje temos empregos comuns, vidas comuns, atribuições comuns. O que fica é um sentimento de tédio, de que não estamos usando toda a nossa capacidade e presos em atribuições em que poderíamos ser substituídos facilmente por primatas adestrados. Eu deveria mudar o mundo, mas estou aqui refazendo um relatório pela nona vez porque alguém de algum cargo importante não consegue decidir o que quer. Onde está o propósito, o legado? E isso não só em relação a trabalho, mas em tudo mais na vida. Lógico que tudo isso ganha requintes de tortura ao tentar se comparar com as vidas perfeitas e emocionantes das redes sociais.

Todo esse tédio constante se traduz em apatia e desesperança, facilmente confundido com cansaço. Traz pensamentos ruins, ansiedade e irritabilidade pois ficamos nos cobrando uma atitude que não conseguimos ter e nos comparando com o resto do mundo. Em 2007, dois suíços, Peter Werder e Philippe Rothlin descobriram que existe uma síndrome que se parece muito com o burnout mas sua origem é diferente, ela nasce do tédio. Daí o nome, Síndrome de Boreout, vir de boring (tédio em inglês).

Em vez do cansaço de fazer muito do burnout, temos uma apatia profunda de achar que deveríamos estar fazendo muito mais. Em vez da sensação de estar carregando a família/o trabalho/o grupo nas costas, é uma sensação de que elas que estão nos levando nas costas. Descansar não faz o cansaço passar, faz até piorar, porque se soma a sensação de culpa, daí a ideia de que na verdade se trata de uma desmotivação e apatia profundas.

Dificilmente um único conceito vai abarcar todos os autistas. Afinal somos um espectro de possibilidades. Talvez alguns autistas tenham sim o burnout autista e outros o boreout autista. O ideal mesmo é a gente ir se percebendo, tentando comunicar, mesmo que de forma rudimentar, o que estamos sentindo e como nos percebemos. Pode ser com a nossa pessoa de conforto, mas melhor seria com um profissional treinado que pode nos ajudar a nos entender, fazendo os questionamentos corretos e nos dar vocabulário para traduzir nossas percepções e emoções. Porque como eles tem causas diferentes, também possuem estratégias de enfrentamento diferentes, tanto na postura da psicoterapia, na prescrição dos remédios e também no agir. No boreout, o isolamento e o descanso pioram o quadro, é necessário descobrir atividades que tragam realização.

 


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