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Foto do escritorKamilla Brandao

Quais são as novidades?

Sabe aqueles dias que você está sem assunto? Nada significativo acontecendo, você não viu nada que chamou sua atenção. Sua mente parece que está em branco, igual essa folha que me intimida com tamanho vazio. Parece que é sempre nessas ocasiões que você encontra alguém que pergunta: E as novidades?

Realmente alguém espera que eu tenha novidades? É como se a vida normal e a rotina não fossem aceitáveis. Eu tenho que ter aprendido a surfar no Havaí de manhã e viajado a tempo de tomar café da manhã com croissants fresquinhos em Paris. Então conheci o Papa e almoçamos. Na volta, nadei com os golfinhos no caribe e, cá estou, no supermercado, às 17h de uma quinta feira, sendo interpelada, por um quase desconhecido, sobre quais são as novidades da minha vida. Em vez de um desaforo, respondo com um sorriso amarelo e um “só na correria!”

Mas isso me fez refletir, será que a pessoa realmente espera que eu responda algo extraordinário ou sou eu que me sinto incomodada de não ter algo surpreendente para relatar?

Quando eu era bebê, não chorava. Não chorei quando nasci, não chorava por fome, ou sono, ou frauda suja, nem estranhava pessoas. Eu só ficava lá, na posição que me colocassem, olhando pro nada. Já meu irmão, apesar de 6 anos mais velho, demandava e muito. O tempo todo, a cada segundo. Tinha vários problemas de saúde. Entre um filho que pede atenção o tempo todo e um outro que parece não dar a mínima se você está lá, não é difícil imaginar que alguém os classifique como frágil e forte, respectivamente. Eu cresci sem acolhimento e a desculpa era que eu não precisava tanto assim como meu irmão. Eu tinha que fazer 10x mais para receber 1/10 da atenção.

Os meus brinquedos eram os brinquedos dele que já haviam sido esquecidos. Mas ele, ainda assim, fazia questão de quebrar, só pra que eu não pudesse brincar com eles. As minhas roupas eram roupas que não cabiam mais nele, por um bom tempo. Ele estudava em uma escola de elite, eu numa comunitária das freiras filhas da caridade. Um dia, ele trouxe uma garrafa diferente na lancheira dele, furtada de um coleguinha. No outro dia, mamãe foi devolver na escola alegando que provavelmente ele estava sofrendo pela queda de padrão de vida e a separação dos pais. Um outro dia, roubaram meu lanche e minha mãe que estava na escola, viu. Ela contou pro meu irmão e passaram meses me respondendo com piadinhas sobre como eu era boba e “vou já roubar teu lanche”.

Mais tarde, com um pouco mais de capacidade de elaboração, comecei a demandar também. Mostrar minhas fragilidades. Novamente não fui acolhida, mas dei munição para que essas fragilidades fossem usadas contra mim. Tive uma compulsão alimentar, aos 8 anos eu engordava quase 1 quilo por mês. Minha mãe comprava biscoito recheado no atacado. Uma caixa inteira de biscoito, que eu detonava em menos de 15 dias. Meu irmão não podia comer, ele tem alergia a leite. Ela comprava só pra mim. E comprava aqueles torrones e potes de sorvete, além de sacos de bombom. Era como se ela quisesse que eu comesse até explodir. E depois, comigo obesa, ela ficava rindo das minhas roupas largas, dizendo que não queriam brincar comigo, ou não iam querer namorar comigo. Isso depois de falar um monte sobre como ela era linda, magrinha, com o cabelo tão liso e tão brilhoso, enquanto tentava escovar meu cabelo cacheado, com bastante força, na ânsia de deixá-lo liso também.

Me habituei a ter essa régua alta de feitos. Precisava relatar o fora da comum para ter espaço para falar sem ser interrompida pela falta de atenção da família. Agora aos 34, essa régua continua a subir, me fazendo achar que minha vida não é suficiente, me fazendo sentir um certo constrangimento ao relatar quem eu sou, o que estou fazendo, minhas conquistas. Sinto que não mereço atenção de ninguém com minha vida chata. Às vezes eu penso em falar algo, mas desisto por crer que só vou aborrecer as pessoas que vão me ouvir, forçadas pela educação. Quais as novidades? Nenhuma, afinal eu não descobri a cura do câncer, ou não fui aceita como astronauta...

Mudança, autoaceitação, paz de espírito... não são coisas fáceis de alcançar. Mas sinto que estou cada vez mais perto.

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