Recentemente reassisti ao filme do Coringa, esse último, com o Joaquim Phoenix, e uma das frases dele ficou dominando a minha mente. “A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse.” Acho que essa frase é ainda mais impactante para quem tem algum tipo de transtorno não tão evidente. É como se as pessoas tivessem ainda mais dificuldade de enxergar que precisamos de apoio e nos atribuem expectativas de normalidade que nunca serão supridas.
O meu principal desafio hoje não é o autismo em si, mas condições coexistentes e ocasionadas por anos sem o diagnóstico correto. Criei uma super Kamilla, um eu idealizado, com base nas expectativas que eu achava que o mundo tinha de mim. Isso fez com que o meu eu verdadeiro fosse visto como fraqueza, defeito, e, esse eu idealizado, como o mínimo aceitável que eu me permitia ser. Óbvio que não sou perfeita, nem um neurotípico o é! Mas esse perseguir a perfeição da minha auto idealização me faz estar sempre com um sentimento de fracasso, de perda, de derrota. Mesmo diante de grandes realizações sempre parece que tem um ponto que eu não consegui e isso me gera vergonha e culpa.
Tenho ansiedade. Eu preciso passar as falas, criar roteiros, passo os dias falando sozinha, ensaiando como seriam conversas. As falas nunca acontecem como eu planejei e ensaiei na minha cabeça. Sou pega desprevenida, improviso falas. Mas depois passo dias, semanas, meses...remoendo e pensando no que eu deveria ter dito ou feito. Semana passada me peguei reprovando uma decisão que tomei há 13 anos!
Tenho depressão. Um pessimismo constante, que em ondas piora muito. A primeira onda, que eu me lembro, eu tinha 8 anos. Passei meses sem conseguir ir a aula ou sair de casa. Eu me deitava no chão gelado e ficava olhando o teto branco. Acho que foi quando eu realizei a ideia de que não era como as outras pessoas e provavelmente nunca me encaixaria.
Quando se pensa em superdotação se imagina logo alguém muito bom em matemática e que vai ganhar um Nobel em física. O meu poder de superdotada foi ter nascido com a mente de um filósofo boêmio de 82 anos, amargurado e desesperançoso, que consegue ver a realidade tal qual ela é.
“Todas as pessoas tem problemas, mas elas só se levantam e fazem o que tem que fazer!” Foi o que eu ouvi da minha mãe, com 8 anos, a beira de completar 3 meses sem ir a aula e depois de ter feito uma bateria de exames e ir em diversos médicos que atestaram que eu não tinha nada. Sei que a intenção dela foi boa, mas creio que bem ali nasceu a ideia de que eu deveria esconder e dissimular todos os meus problemas e fraquezas e ser a super Kamilla, ideal que até hoje me persegue e me desestabiliza.
E mais uma onda veio. Estou passando por ela agora. Talvez meus textos fiquem mais leves daqui pra frente, pois tive que retornar ao antidepressivo. Depois de uma semana de remédio, a voz do corvo que vive em meu ombro silenciou, ele adormeceu. Consegui sentar para escrever. Escrever é parte fundamental de quem eu sou de verdade. Não sei bem quem eu sou, mas ainda não é tarde para descobrir.
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