Toda a evolução dos seres vivos é baseada em adaptações que permitam a sobrevivência. Como que um leão sabe que o animal que está passando na frente dele é uma zebra, portanto, seu jantar, e não um outro leão? Há uma conexão instintiva entre os membros da mesma espécie. Sempre senti as pessoas se conectando umas às outras, mas eu nunca me senti plenamente conectada com ninguém. Nem as pessoas se sentiam conectadas comigo. Mesmo emulando comportamentos, ações, expressões faciais e tudo mais que fosse preciso, parece que sempre falta algo. As relações não se aprofundam, é como se eu estivesse ali, mas ali não fosse o meu lugar. E mais cedo ou mais tarde, as pessoas fazem questão de me lembrar disso, não me falando, mas me excluindo lentamente até que não tenhamos mais nada.
Quando eu tinha 7 anos, li um livro infantil de Teresinha Casasanta chamado "Pluminha procura amigos". Desde então ele vem me acompanhando. O livro conta a história de um passarinho, que vivia triste, preso em uma gaiola, no alto de um arranha céu. Cantava triste, pois queria amigos. Um dia, um vento forte quebrou a gaiola e ele ganhou liberdade. Saiu por aí a perguntar pra qualquer um que visse se queria ser seu amigo. Todos recusavam dizendo que não daria certo e apontando as diferenças entre eles. Até que ele achou passarinhos coloridos em um viveiro que toparam ser seus amigos. Pluminha foi capturado pela dona do viveiro e colocado lá com os novos amigos. Por incrível que pareça, ser colocado em uma gaiola grande com outros passarinhos é considerado um final feliz. Não pra mim, óbvio, que com 7 anos já tinha crises existenciais severas e lia Machado de Assis!
Pluminha agora tinha amigos, para isso ele só precisou perder a sua liberdade de existir!
Pluminha tem uma inocência que a vida adulta me roubou. Calejada, já não ando por aí perguntando se alguém quer ser meu amigo. Tento me conformar com os colegas. A diferença? Colegas são vinculados ao cenário. Você conhece uma pessoa na faculdade, faz trabalho com ela, prova, conversa no intervalo. Mas quando o curso acaba, ou se matriculam em matérias diferentes, ou seja, o cenário deixa de existir, o vínculo parece que vai morrendo até acabar. Um grande indicativo disso é verificar se “a amizade” transpassa o cenário. Veja se a pessoa tenta te colocar em outras situações da vida, te convida para ir a casa dela, ir a um outro lugar, uma festa, academia, enfim, um outro cenário.
O texto é sobre o Pluminha, mas quem repousa em meu ombro é um corvo. Melancólico, questionador e pessimista. Seria distimia? Minha psiquiatra acha que é uma reação normal ao mundo fluído e fútil a que estamos expostos. Quase todos os dias, o corvo e eu, travamos um duelo argumentativo. Os anos têm dado a ele bastante paciência e serenidade. A racionalidade é seu forte. Ele sempre me questiona sobre qual o meu propósito neste mundo. “Você já procurou tanto e nada... talvez a sua vida seja como a de Pluminha, passar a vida procurando por algo que nunca vai existir.”
Talvez o segredo da vida seja ser iludível. A expectativa das altas habilidades é ganhar um Nobel em física, a realidade é ver a vida como ela é, sem possibilidade de se adicionar filtros. Eu queria muito ver a vida com mais romantismo, mas uma vez que as cortinas se abrem, não há mais como desver. Uma mudança de cenário se aproxima na minha vida. Mudarei de trabalho e de cidade. A ideia de recomeçar do zero não me anima como antes. Será o corvo ganhando?
E eu não vou tá aqui na nova cidade pra te perturbar e te xingar? 😡 Tem outro corvo aqui, viu? Kkkk
Desejo que - apesar da distância que a mudança de cidade proporcionará - você mantenha seus laços nesses novos cenários 💜
Maravilhoso novamente. Impressionante como me sinto 100% representado com seu texto. Muito legal