Se você acompanha nossas redes sociais, provavelmente já deve saber que temos uma mascote. Talvez até tenha participado da votação de escolha do nome. O Spectronauta é um E.T. azul e de olhos vermelhos. Mas porque escolher um extraterrestre como símbolo? Não é incomum relatos de não pertencimento, de se sentir estranho e inadequado entre os autistas. É como se fossemos uma peça que não se encaixa na sociedade. Entre os que tiveram diagnóstico tardio, vemos um sentimento de alívio, como se toda aquela inadequação tivesse uma razão.
Desde criança eu sentia isso. Sentia que não pertencia à minha cidade, escola, família...
Parecia um cientista, eu observada os comportamentos, as reações, jeito de falar, fazia anotações. Quando eu andava de ônibus, gostava de me sentar na cadeira da janela e observar. Não esqueço o sentimento de distanciamento que eu tinha daquelas pessoas. Era como se realmente eu tivera vindo do espaço em uma missão antropológica de reconhecimento da raça humana. Eu adorava escrever. Sempre tinha um caderno comigo. Pegava todas essas observações do dia em histórias de ficção. A protagonista dos livros não era bem eu, mas todas inspiradas em mim. O enredo bem parecido, eu era de outra raça, planeta, categoria mágica... e por algum motivo meus verdadeiros pais precisaram me esconder entre os humanos, mas um dia eles viriam me contar tudo e me buscar. Nesses livros eu já fui extraterrestre, vampira, mutante, Power Ranger, bilionária do futuro que fui escondida com uma máquina do tempo em outra época.
Imagino que não seja saudável para uma criança crescer se sentindo tão alheia da sua comunidade.
Recebi o diagnóstico tardio também. Depois de uns dias em choque, me veio um sentimento tão estranho, mas era bom. Eu nunca fui muito boa em reconhecer sentimentos. Chorei, mas eu estava feliz. Era como se um peso tivesse saído da minha alma. Eu meio que achava que me sentia tão estranha por culpa minha, eu só podia fazer algo errado, ou era uma pessoa ruim. Mas naquele momento esse sentimento recebeu um nome e um CID. Aquele sentimento de não pertencer foi sendo substituído por “achei minha turma” à medida que conhecia outros autistas.
Nunca tinha conseguido falar com alguém de forma tão despreocupada em aparentar ser eu. Era libertador. Todos ali me entendiam e já tinham passado por situações parecidas. Rimos das “gafes” cometidas. Discutimos por horas os mais diversos assuntos. A conversa fluía. Aquilo que martelava na minha cabeça a minha vida toda finalmente havia sido solucionado. Eu não estava só, eu tinha a minha comunidade. Se ver como pertencente de um grupo, criar vínculos genuínos é algo libertador. Eu pude me perdoar.
De lá pra cá tem sido uma batalha. Não é fácil. Mas agora eu sei quem eu sou. Eu tenho um plano, tenho um propósito. Estou construindo aos poucos uma rede de apoio que realmente me apoia. Estou aprendendo a renunciar a vínculos que me obrigam a fingir personagens ou que não me fazem bem.
Se você também sente que precisa encontrar a sua turma, junte-se a nossa Liga, seja um Spectronauta!
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