Meu aniversário está chegando. Pedi uns dias de férias no trabalho para comemorar. Eu tinha alguns planos, queria fazer uma viagem. Talvez ver uns amigos. Quem sabe uma festinha?!? E... peguei uma virose! Estou tossindo bastante, a voz quase não sai. Quando tenho que falar por um tempo, começo a tossir sem parar. Meu marido também pegou essa virose e estamos aqui de cama, um tosse pra um lado e, o outro, tosse para o outro lado. Provavelmente não farei nada no dia do meu aniversário, quem sabe peça no delivery um prato que gosto. Mas tudo isso me fez refletir e ter vontade de escrever um pouco sobre as adversidades da vida.
O que o autista mais acha que tem é controle. Nós criamos rituais até para lavar a louça. Tudo tem uma ordem. A ideia do inesperado nos tira o sono e faz o coração palpitar. Será que é TAG? - Vamos introduzir um ansiolítico! Esse aqui pra dormir, esse pra acordar...
Ou você acredita que uma força tem poderes ilimitados e controla o universo ou você acredita que o universo é um arranjo do acaso. Bem, não importa qual a sua hipótese favorita, em nenhuma delas nós controlamos algo. Eu sei, eu sei, assusta! O mundo não é justo e por vezes é hostil. A gente nunca sabe se o que vai acontecer é bom ou ruim. Não se pode relaxar e deixar acontecer com a esperança de que vai dar tudo certo quando se apanhou tanto da vida.
Não estou dizendo que a vida "é o que é", e você deve ficar em casa, sentado no sofá, esperando o meteoro. Mas estou falando que a vida é aprendizado.
Primeiro você aprende a virar, depois a sentar, então engatinha, um dia arrisca os primeiros passinhos e termina correndo a casa inteira. Sim, temos baixa resistência à frustração, mas como adquirir resistência? Quais são os passos? Assim como o bebê precisa aprender a engatinhar antes de correr, você não vai conseguir superar grandes frustrações, como uma rejeição amorosa ou uma demissão, se não se permite sentir pequenas frustrações, como de querer comer um bolo que estava na geladeira e descobrir que alguém já comeu.
Não é fácil, é fruto de muita determinação, terapia, apoio. As coisas não mudam do dia pra noite. Mas se começar hoje a mudança, amanhã estará um dia mais perto da tão sonhada qualidade de vida. É tentador querer ficar o tempo todo dentro de casa, pedir tudo por entregas, fazer home office, consultar por telemedicina. Quanto mais evitamos os mínimos desconfortos, mais insuportáveis ficam as atividades rotineiras. Como falei, o mundo não é justo. O planeta não vai silenciar para que a gente passe. Vivi isso na pele, quando a pandemia foi passando e tive que voltar pro mundo, sofri imensamente com coisas que antes fazia sempre. Eu poderia ter me trancado em casa, evitado a frustração e o incômodo, mas eu escolhi passar por situações de desconforto aos poucos, de forma controlada e contínua e hoje já consegui recuperar grande parte de minha autonomia.
Óbvio que nossa missão na Liga é trazer inclusão, conscientização e lutar por visibilidade e respeito na sociedade. Porém, a educação é algo lento. Estamos falando de mudanças de hábitos e costumes. Comparado com outras lutas sociais, como o feminismo, o autismo é muito recente. Vou fazer 34 anos e quando eu nasci, em 1990, nem existia um diagnóstico de autismo “leve”. Para terem noção, o dia 02/04 foi criado em 2007, há 17 anos.
Podemos e vamos fazer uma jornada dupla. Ao mesmo tempo que queremos levar informação correta que leve a inclusão verdadeira, também queremos ajudar os autistas de hoje a viver com qualidade, mesmo em mundo não ideal. Uma coisa não exclui a outra. Pelo contrário, se complementam. Nas nossas mentes, rígidas e objetivas, é muito fácil resolver! Mas a prática... a prática é um grande desafio e uma montanha de frustrações.
Não há como controlar o mundo. Quanto antes você perceber isso, mais perto estará de conseguir ver o que realmente importa. Enquanto estamos calculando variáveis, imaginando possibilidades, a vida está acontecendo. Pequenos "milagres", seja do acaso ou de uma força divina. Tente pensar em 5 coisas pelas quais você é grato hoje. Não precisa ser nada grande ou extraordinário. Tente focar no agora, alguns chamam de mindfulness, outros de meditação, outros de oração, outros de contemplação, outros de terapia de atenção plena... não importa de que você vai chamar, só tente viver esse segundo. Respire fundo.
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